Está na essência dos nossos workshops de Tantra para casais a ideia que, antes de sermos um casal, nós somos indivíduos autônomos e independentes. Logo na abertura dos nossos grupos de DELERIUM dizemos aos participantes: “o trabalho acontecerá em grupo, mas a célula de trabalho será o casal. No entanto, mais importante ainda, esse será um mergulho essencialmente individual.”
Os relacionamentos afetivos são ao mesmo tempo uma vocação e um desafio. O ser humano é em sua essência relacional, já que embotaríamos e sucumbiríamos se não fossemos a todo tempo provocados pela necessidade de conviver com o outro. No entanto, somos continuamente testados e emocionalmente ativados quando construímos relacionamentos íntimos com alguém. Esses desafios são uma parte inerente de qualquer relacionamento que se proponha a sair da superficialidade das relações fugazes e caminhe em direção à intimidade e ao aprendizado mútuo.
Seres humanos possuem uma necessidade fundamental de segurança! Se no início buscamos segurança nas conexões que estabelecemos com a família, comunidades e religião, a partir de certo momento fazemos movimentos em direção a buscar parceiros afetivos que nos possibilitem vivenciar essa mesma segurança. Queremos ter alguém junto a nós em momentos difíceis, alguém que nos inspire a crescer e caminhar, alguém que nos aceite e valorize, enfim, alguém que nos ame. A necessidade de segurança nos impele a estabelecer relações estáveis com alguém que possa nos oferecer essas qualificações – ou parte delas. Mas também desejamos ter prazer, pois no mundo contemporâneo já não cabe mais na concepção da vida a dois aquele antigo modelo da abdicação do prazer em troca da segurança. A sexualidade é sagrada, pois nos permite conectar profundamente com quem somos e com a exuberância da existência humana, algo que vai muito além do prazer orgástico. Uma sexualidade sadia precisa ser incorporada na perspectiva das relações a dois, pois a insatisfação sexual pode nos levar a romper o movimento de consolidação das bases sólidas das relações institucionalizadas.
Porém, a sexualidade satisfatória somente acontecerá se houver desejo, e o desejo somente existirá se houver o novo, a empolgação, a “iminente descoberta de algo que eu não sabia ou não tinha ainda vivenciado”. O problema reside no fato de termos transformado a experiência sexual em um ato mecânico, previsível, agressivo, excessivamente genitalizado, fetichista e quase sempre pautado por “um lugar a se chegar” – desprezando assim o estado de presença daquilo que é, em troca daquilo que deveria ser. Ou seja, nosso modelo sexual infelizmente é pautado pela previsibilidade, e isso nos afasta da sexualidade satisfatória. Assim, muitos de nós optam por estratégias de substituição daquilo que não é mais satisfatório. Alguns se retiram, abandonando a prática sexual ou abandonando o relacionamento; outros desenvolvem compulsões, buscando incessantemente por fontes que os proporcione contato com uma sexualidade satisfatória – sexo fora do relacionamento, pornografia, masturbação, etc.; e outros, por fim, optam pela resignação, fazendo a prática sexual de forma meramente protocolar e desprovida de presença.
Temos então um grande paradoxo: queremos a segurança dos relacionamentos institucionalizados, estáveis, aprofundados na intimidade; mas ao mesmo tempo precisamos do novo, da empolgação e da imprevisibilidade para termos desejo sexual.
Entendemos que o Tantra oferece uma visão de mundo e um repertório de práticas que ajudam enormemente os casais a resolverem esse grande paradoxo.
Em primeiro lugar, gostaria de voltar ao parágrafo inicial deste texto, quando disse da individualização da experiência. A visão que norteia a prática tântrica na relação a dois é que somos parceiros melhores quando estamos inteiros em nós mesmos, conectados com nossos sentimentos, necessidades, anseios e, principalmente, conscientes das nossas vulnerabilidades e dos nossos limites. Assim, poderemos dar o nosso melhor no encontro a dois, seja ele um encontro de apenas uma noite ou uma relação de décadas. A sexualidade para o Tantra é uma fonte de transcendência do ego distorcido e de autoconhecimento, capaz de nos propiciar contato com espaços internos verdadeiramente conectados com a nossa essência. Essa deveria ser a principal motivação para o ser humano iniciar uma prática sexual: o encontro consigo mesmo, que se dará contando com a presença do outro.
Muitos participantes vêm aos nossos grupos de sexualidade tântrica motivados pelas necessidades do outro, em uma atitude que é bela por um aspecto, mas de pouca utilidade prática. Logo de início nós pedimos: “não venha pelo outro, venho por você mesmo, venha em busca de encontrar o seu melhor”. Essa será a melhor maneira de fazer pelo outro. Em outras palavras, “não se retire”, como se a resolução daquilo que os aflige ou os afasta dependesse exclusivamente de “resolver um problema que o outro traz consigo”.
Em segundo lugar, gostaria de abordar a beleza que há em aceitar a impermanência das coisas. Isso inclui quem somos e como nos relacionamos com quem amamos. A existência nos oferece a cada instante o mistério, o novo, a possibilidade contínua de abandonar padrões de comportamento e de pensamentos que não nos servem mais. Talvez eles tenham servido logo ali atrás, mas possivelmente hoje já tenham “caducado”. O mais importante: quando abandonados algo que carregávamos conosco e já não nos serve, abrimos espaço para que algo novo se manifeste e possa ser vivenciado. O Tantra nos convida a desfrutar da beleza dos ciclos de morte-vida-renascimento que a existência nos oferece a cada experiência, a cada novo dia, a cada interação. Viemos do desconhecido, e para ele rumamos. Mas, ao mesmo tempo, nos colocamos em estado de apavoramento na iminência do desconhecido.
A sexualidade é um bom exemplo desse estado de apavoramento. Temos medo de não gozar, temos medo de gozar, temos medo de que os outros percebam que não gozamos, temos medo de sugerir algo novo e sermos criticados pelo resultado, temos medo de praticar algo novo e não sabermos lidar com isso, temos medo de perder o controle, temos medo de ficarmos sozinhos se não for um super-herói na cama, temos medo de não sermos capazes de seduzir o outro, temos medo de nos expressar, rir, chorar, grunhir, silenciar…. A lista é praticamente infindável. Em resumo, temos medo! Nossa sexualidade é pautada pelo medo, não importa se você se encaixa no padrão sub-ativo, ativo ou hiper-ativo sexualmente falando, o medo nos rege. Temos papéis sociais demais a representar na cama, e isso nos apavora. Mas não deveria, se fossemos capazes de aceitar as nossas vulnerabilidades e nossas sombras. No entanto, vivemos um modelo social perverso nesse aspecto, que nos desconectou do corpo e nos induziu a buscar verdades naquilo que está fora de nós.
Nos divorciamos do mistério em busca de segurança, justamente para não ter que lidar com o medo.
Mas somente a disposição em aceitar o mistério será capaz de manter o desejo vivo.
Assim é a visão do Tantra! Viemos do mistério, ele é inerente à nossa condição humana. Não somos a mesma pessoa quando terminamos uma prática sexual, algo em nós se movimentou de forma definitiva. O outro também já não é mais o mesmo. Se pudermos exercer o estado de presença, poderemos perceber a existência desses movimentos em nós mesmos, ora sutis, ora intensos. São movimentos de natureza interna, e que estabelecem ligações mais verdadeiras com o externo, com o outro e com a vida.
Para isso, precisamos aprender a não controlar, precisamos resistir ao nosso impulso de assegurar que tudo ocorrerá “dentro da mais perfeita normalidade”. Nesse caso, a normalidade está a serviço da repetição – a serviço da morte – enquanto o mistério está a serviço da descoberta – a serviço da vida.
O Tantra é um convite para usufruir da riqueza do mundo interior